domingo, 19 de outubro de 2008
Cidadão de Festim
Editado em 2007, nesse livro procurei fazer um passeio por direitos constitucionais que estão escritos mas não saem do papel. Sempre me impressionou saber que tenho direito constitucional à segurança, desde que contrate guardas-noturnos, segurança armada, carro blindado, câmeras de vigilância. Que não posso contar com o Estado para minha segurança. Tenho direito constitucional à saúde, desde que gaste fortunas com seguro-saúde, Unimed e outros. O Estado está ausente quando adoeço e morro.
É disso que trata esse livro, além de alguns artigos políticos onde faço um desabafo de quem assiste esse desfile eleitoral ao longo de anos sem ver nenhuma mudança, nenhuma esperança no horizonte.
Talvez por isso eu tenha elegido como tema principal do livro: "Políticos de meu país, renunciem. Antes que tudo vire escombro, saiam do Congresso para que possamos escrever , também, uma nova história".
Se quiser adquirir o livro, contate a Editora Rede Pura (www.redepura.com.br)
Manual do Consumidor Indignado
Este livro foi editado e publicado em 1996, como um painel de casos sobre consumidores diante de mazelas do dia-a-dia - hotéis, restaurantes, serviço público, magazines, etc.
Partia premissa de que um consumidor indignado, que bate na mesa, que grita, conseguia mais eficácia na defesa de seus direitos.
Hoje penso que isso ainda é válido, mas nada supera a informação, o conhecimento preciso de seus direitos, da lei que os comanda e dos limites de cada um ator na relação de consumo: indústria, fornecedor, poder público e o próprio consumidor.
O "Manual" está nas livrarias mais conhecidas (La Selva, Siciliano, Saraiva), bastando buscar pelo autor ou pelo título.
Editora Letra Livre (www.letralivre.com.br)
Sexto sentido
Chamo-o de sentido da preservação. Quando se chega aos 62, como é o meu caso, começa-se a ler matérias sobre doença de Alzheimer, sobre Parkinson, sobre esclerose, caduquice, para ficar nas mais badaladas.
Olho para minhas mãos, vejo-as ainda firmes e penso: por que o destino deu a um advogado mãos estáticas, firmes que mais utilidade teriam para um cirurgião? Não importa, fico contente assim mesmo.
Voltemos ao sexto sentido. Para que serve? Para cuidar dos outros. Para evitar que você se esqueça da maravilha que é viver gozando todos e cada um deles, dia após dia.
Ultimamente, não venho mais atribuindo tudo o que há de bom (ou de mau) a Deus, pois estou fazendo algumas revisões no meu aprendizado de infância. Nada sério, nada de incredulidade pura ou o chamado túnel do suicidas, que é a depressão.
Então, vamos dizer que a força lá de cima, que ordena os astros, estrelas e a Via Láctea, me deixou envelhecer com a audição em dia, que me leva aos domínios imortais de uma sinfonia de Mozart, de um minueto de Bach ou uma simples guarânia.
O tato que me permite passear as mãos pelo cabelo de minha filha, abraçar meu filho ou acompanhar os contornos do corpo da mulher amada.
A visão que me apresenta a glória de um ipê amarelo que embeleza o meu bairro, ou uma lua cheia que posso contemplar de minha rede, ou o pôr-do-sol afogueado e poeirentamente belo do meu mês de agosto.
O gosto que me garante o prazer de um vinho Caballo Loco vindo diretamente do Chile para emoldurar um jantar romântico ou um Alma Viva para tornar um encontro inesquecível.
O olfato com que distingo a essência de meu Fahrenheit preferido ou mesmo do antigo Azzaro que teimo em trazer do Paraguai para lembrar a minha juventude e as coisas boas que ela me deu.
Então, agreguei o sexto sentido, a que chamei instinto de preservação, exatamente porque me faz preservar os demais.
É esse sentido que me afasta de um ambiente em que o som esteja acima de 60 decibéis. Imediatamente, penso: estão querendo comprometer a minha única conexão com Vivaldi e Debussy. É o sexto sentido que me empurra porta afora.
Se estou dirigindo e me vejo tentado a fazer uma ultrapassagem perigosa, o sexto sentido me refreia. “Onde você vai? A vida ainda tem muito a oferecer”. Volto para a fila e espero o momento certo de prosseguir.
Já contei isso, mas vale o repeteco. Do telhado pende uma telha, que pode cair na piscina. Sou tentado a colocá-la no lugar. Mas o sexto sentido me diz: você não é pedreiro, não é engenheiro, arquiteto, não entende de telhado, de escadas. Vai subir ali, se esborrachar na piscina e passar o resto dos dias numa cadeira de rodas.
Imagino-me contando, a todo mundo que me vê naquela cadeira de rodas, que estava ali, placidamente olhando para o telhado, vi uma telha, bla, bla, bla... Fui consertar e estou aqui, sentado para sempre.
O sexto sentido é cruel mas me ensina a maravilha que é viver, sem precisar fazer rapel, sem subir aos céus preso a balões, sem saltar de pára-quedas, sem fazer bung-jump. Para que esse risco?
Quando penso que ainda quero ler muitos livros, quero fazer palavras cruzadas, ver meus filmes, olhar nos olhos da uma criança, o sexto sentido me empurra para o oftalmologista. Vá lá, meu filho, ver se não vem aí uma catarata, se não está precisando de um grauzinho a mais...
Há uma dorzinha no peito? Lá vem o sexto e pede um exame preventivo. Quer continuar neste teatro mais uma ou duas temporadas? Quer ouvir as palmas e o alarido antes de baixar a cortina pela última vez? Procure a Dra. Maria Augusta e faça o seu eletro.
Aliás, esse esquisito e onipresente sexto sentido já estava comigo mas eu ainda não tinha decodificado de forma conveniente. Quando fui ao México, evitava aquelas comidas apimentadas e desconhecidas para não ter uma disenteria, para não passar o resto da viagem no banheiro dos aeroportos e dos hotéis, para não acabar em um hospital desconhecido.
Longe de casa não é o melhor lugar para se experimentar tempero exótico, dizia-me aquela vozinha lá no fundo.
Hoje eu sei que era o sexto sentido, cada vez mais empenhado em transformar os anos que me restam no melhor ato de uma peça inesquecível.
João Jr
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Contrariando Borges
Se soubesse que faria tanto sucesso, teria falado sobre o sexto sentido muito antes. Um leitor me mandou um belo texto de Borges, que já conhecia mas reproduzo aqui para dividir com meus leitores.
Uma leitora colocou seu filho para lutar judô. Seis meses depois e o garoto fraturou o joelho numa queda. Outra disse que o marido voa de ultra-leve e teve um acidente que afetou sua coluna. Está em cadeira de rodas.
Um advogado bebeu e projetou o carro em um córrego a 160 por hora. O filho morreu e a esposa teve fraturas múltiplas. Infelizmente, diz ele, sobreviveu para sofrer o remorso da perda.
O ator Christopher Reeve fez no cinema o papel de Super-Homem, estava no auge da carreira. A continuação do filme que o imortalizara fez tanto sucesso quanto a primeira versão e ele era um super-astro. Resolveu saltar obstáculos em um evento de equitação, o cavalo refugou um salto e ele se projetou sobre o obstáculo, fraturando a coluna.
Passou os últimos dias em uma cadeira de rodas, fazendo campanha pela liberação de pesquisas com células-tronco.
Não há nenhuma regra ou campanha contra fazer rapel, saltar de pára-quedas, voar de asa-delta ou saltar no lombo de um cavalo de raça. Há gosto para todos esses esportes ou atividades radicais.
O que me interessa aqui é detectar aquele momento único, solitário, místico, em que alguém resolve: “vou participar desse exercício”. Ou, podendo circular pelo mundo gozando as bem-aventuranças da merecida fama, tomar a decisão final: “vou fazer esse salto”.
E, uma vez aceito o desafio, colher o resultado nefasto e aí meu objetivo é saber o que vai pela mente de uma desafortunada vítima: “por que estou aqui”? Não vale repetir a frase que sempre me estimulou a participar de todos os aparelhos e brinquedos da Disney: “ninguém vive essa emoção em seu lugar”.
Falo de decisões finais, decisões entre estar aqui, incólume, e terminar ali, mutilado. Ou morto.
Sei que estou, sem nenhuma autoridade literária, contrariando Jorge Luís Borges, que disse do alto de seus 85 anos.
“Se eu pudesse viver novamente minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Não mais tolo ainda do que tenho sido. Na verdade bem poucas coisas levaria a sério”.
“Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e comeria menos lentilha. Teria mais problemas reais e menos problemas imaginários”.
”Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas se eu pudesse voltar a viver trataria de ter somente bons momentos. Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora”.
“Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se eu voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças. Se tivesse outra vez uma vida pela frente”.
Mesmo lendo essas sábias palavras, relembro uma cena de cotidiano, ainda recente. Passei o dia viajando de carro pelo interior, fui até a fronteira e, já meia-noite, cheguei a Dourados e me confrontei com aquele momento de decisão de que falei acima: dirigir madrugada adentro até Campo Grande ou dormir e prosseguir pela manhã?
O sexto sentido me ordenou dormir, tomar um gostoso café da manhã no dia seguinte e, descansado, prosseguir a viagem. Hoje eu sei que há uma sólida sabedoria nas decisões sensatas. Não são aleatórias mas bem calculadas.
Se prosseguisse, passaria a madrugada viajando, chegaria (se chegasse) às 4, 5 da manhã em Campo Grande, cansadíssimo, para fazer o que? Dormir um pouco, apenas, acordar estourado e de mau humor. Ou seja, não valeria a jornada de puro risco por nenhuma vantagem.
No fim, peço licença a Borges para dizer que ambos temos razão. Ele justificava sua reflexão dizendo: “Mas vejam, já tenho 85 anos, estou cego e sei que vou morrer”. Quanto a mim, ainda não tenho 90 anos e estou vivo, por enquanto.