Você já ouviu falar em sexto sentido, não? E já deve ter ouvido que esse é um sentido extra das mulheres. Pois eu digo que o sexto sentido não-só existe como é um sentido comum aos dois sexos.
Chamo-o de sentido da preservação. Quando se chega aos 62, como é o meu caso, começa-se a ler matérias sobre doença de Alzheimer, sobre Parkinson, sobre esclerose, caduquice, para ficar nas mais badaladas.
Olho para minhas mãos, vejo-as ainda firmes e penso: por que o destino deu a um advogado mãos estáticas, firmes que mais utilidade teriam para um cirurgião? Não importa, fico contente assim mesmo.
Voltemos ao sexto sentido. Para que serve? Para cuidar dos outros. Para evitar que você se esqueça da maravilha que é viver gozando todos e cada um deles, dia após dia.
Ultimamente, não venho mais atribuindo tudo o que há de bom (ou de mau) a Deus, pois estou fazendo algumas revisões no meu aprendizado de infância. Nada sério, nada de incredulidade pura ou o chamado túnel do suicidas, que é a depressão.
Então, vamos dizer que a força lá de cima, que ordena os astros, estrelas e a Via Láctea, me deixou envelhecer com a audição em dia, que me leva aos domínios imortais de uma sinfonia de Mozart, de um minueto de Bach ou uma simples guarânia.
O tato que me permite passear as mãos pelo cabelo de minha filha, abraçar meu filho ou acompanhar os contornos do corpo da mulher amada.
A visão que me apresenta a glória de um ipê amarelo que embeleza o meu bairro, ou uma lua cheia que posso contemplar de minha rede, ou o pôr-do-sol afogueado e poeirentamente belo do meu mês de agosto.
O gosto que me garante o prazer de um vinho Caballo Loco vindo diretamente do Chile para emoldurar um jantar romântico ou um Alma Viva para tornar um encontro inesquecível.
O olfato com que distingo a essência de meu Fahrenheit preferido ou mesmo do antigo Azzaro que teimo em trazer do Paraguai para lembrar a minha juventude e as coisas boas que ela me deu.
Então, agreguei o sexto sentido, a que chamei instinto de preservação, exatamente porque me faz preservar os demais.
É esse sentido que me afasta de um ambiente em que o som esteja acima de 60 decibéis. Imediatamente, penso: estão querendo comprometer a minha única conexão com Vivaldi e Debussy. É o sexto sentido que me empurra porta afora.
Se estou dirigindo e me vejo tentado a fazer uma ultrapassagem perigosa, o sexto sentido me refreia. “Onde você vai? A vida ainda tem muito a oferecer”. Volto para a fila e espero o momento certo de prosseguir.
Já contei isso, mas vale o repeteco. Do telhado pende uma telha, que pode cair na piscina. Sou tentado a colocá-la no lugar. Mas o sexto sentido me diz: você não é pedreiro, não é engenheiro, arquiteto, não entende de telhado, de escadas. Vai subir ali, se esborrachar na piscina e passar o resto dos dias numa cadeira de rodas.
Imagino-me contando, a todo mundo que me vê naquela cadeira de rodas, que estava ali, placidamente olhando para o telhado, vi uma telha, bla, bla, bla... Fui consertar e estou aqui, sentado para sempre.
O sexto sentido é cruel mas me ensina a maravilha que é viver, sem precisar fazer rapel, sem subir aos céus preso a balões, sem saltar de pára-quedas, sem fazer bung-jump. Para que esse risco?
Quando penso que ainda quero ler muitos livros, quero fazer palavras cruzadas, ver meus filmes, olhar nos olhos da uma criança, o sexto sentido me empurra para o oftalmologista. Vá lá, meu filho, ver se não vem aí uma catarata, se não está precisando de um grauzinho a mais...
Há uma dorzinha no peito? Lá vem o sexto e pede um exame preventivo. Quer continuar neste teatro mais uma ou duas temporadas? Quer ouvir as palmas e o alarido antes de baixar a cortina pela última vez? Procure a Dra. Maria Augusta e faça o seu eletro.
Aliás, esse esquisito e onipresente sexto sentido já estava comigo mas eu ainda não tinha decodificado de forma conveniente. Quando fui ao México, evitava aquelas comidas apimentadas e desconhecidas para não ter uma disenteria, para não passar o resto da viagem no banheiro dos aeroportos e dos hotéis, para não acabar em um hospital desconhecido.
Longe de casa não é o melhor lugar para se experimentar tempero exótico, dizia-me aquela vozinha lá no fundo.
Hoje eu sei que era o sexto sentido, cada vez mais empenhado em transformar os anos que me restam no melhor ato de uma peça inesquecível.
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